domingo, 26 de junho de 2005

O Dia em Que o Mar Foi Morte

Há precisamente seis meses atrás, do outro lado do mundo, milhões de pessoas foram acordadas por um forte abalo. No espaço de duas horas, o impensável aconteceu. Enquanto muitos habitantes locais examinavam os danos e os turistas se preparavam para mais um dia de sol e praia, o mar recuou de súbito ... e uma onda gigante abateu-se sobre terra, arrastando tudo e todos no seu caminho.

As imagens correram mundo, e dia após dia observámos incrédulos o desenrolar da catástrofe. Chocados, ouvimos as histórias de terror e tragédia que a cada dia chegavam, e pouco a pouco apercebemo-nos da dimensão do que acontecera. O relato de uma criança, única sobrevivente da escola que frequentava; oito mulheres reclamando um bebé num hospital, incapazes de acreditar na morte dos seus filhos; pescadores que sobreviveram no mar apenas para descobrir que haviam perdido as suas famílias.

E no entanto, apesar de toda a morte e destruição, no meio do que muitas vezes parece a desolação total, assistimos a pequenos milagres de vida. Sobreviventes são miraculosamente encontrados dias e semanas após a catástrofe; uma criança salvou dezenas de pessoas numa praia da Tailândia graças ao que aprendera nas aulas sobre maremotos; outra reencontra o pai depois de uma semana nas montanhas com os desconhecidos que o encontraram perdido após ter sido arrastado pelo mar juntamente com a mãe.

Hoje, as pessoas fazem o que podem para reconstruir as suas vidas, e na sua maioria fazem-no exactamente no mesmo local onde sempre viveram, junto ao mar que tanto lhes deu e que tanto lhes tirou. Nesse dia o mar foi morte, mas hoje descansa tão tranquilamente como sempre ... até à próxima vez.

Em memória das mais de 250.000 pessoas mortas pelo maremoto que atingiu o Sudeste Asiático no dia 26 de Dezembro de 2004.

terça-feira, 21 de junho de 2005

A Greve dos Professores

Muito se tem dito nos últimos dias acerca da greve dos professores do preparatório e secundário marcada para a época de exames nacionais e eu, como aluno que fui e professor que também já tive a honra de ser, não podia deixar de comentar.

Tenho o maior respeito pela classe dos professores. Respeito-os pela função que desempenham na nossa sociedade, ensinando mas também educando, e pelas condições difíceis que têm de enfrentar nas nossas escolas e salas de aula para levar a cabo a sua função.

Mas também é preciso respeitar os alunos, porque para o melhor e para o pior são o futuro deste país. É no passar do conhecimento e os valores às novas gerações que está o nosso futuro, não em politiquices e birrinhas infantis. O exemplo que se está a passar às próximas gerações é que é admissível pôr interesses pessoais e corporativistas à frente do interesse comum dos alunos e isso sim é que é inadmissível.

Muito me entristece assistir a tudo isto, mas algo me diz que o pior ainda está para vir.

sexta-feira, 17 de junho de 2005

Como Nasce Um Paradigma

"Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula, em cujo centro puseram uma escada e, sobre ela, um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jacto de água fria nos que estavam no chão. Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancada. Passado mais algum tempo, mais nenhum macaco subia a escada apesar da tentação das bananas.

Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo rapidamente retirado pelos outros, que lhe bateram. Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo não subia mais a escada.

Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, na surra ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o facto. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído.

Os cientistas ficaram, então, com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam a bater naquele que tentasse chegar às bananas. Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria: "Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui...""

O texto não é meu, mas achei interessante pô-lo no blog. Eu pessoalmente tenho pena dos pobres macacos que levam porrada sem motivo, mas realmente a experiência prova aquilo que procurava demonstrar. Nunca pensaram no porquê de algumas coisas que fazemos sem questionar?

Autor Desconhecido

"É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito."
(Albert Einstein)

quarta-feira, 15 de junho de 2005

Hoje Olhei Para o Céu

Quando era pequeno olhava muitas vezes para o céu. Ia para a janela à noite e contava as estrelas que brilhavam muito acima da minha cabeça, procurando aqui e ali as formas das constelações que conhecia. E se era noite de lua cheia, corria para o lugar mais alto e aberto que encontrasse e olhava para a lua, imaginando se algures alguém estaria a fazer o mesmo naquele preciso momento.

Hoje já não olho para o céu. A vida passa a correr e nós corremos com ela, deixando tanta coisa por fazer porque não temos tempo ou simplesmente já não nos lembramos. Isso acontece muitas vezes com aquelas coisas da vida que tomamos como garantidas ... pequenas ou não.

Esta noite, enquanto escrevia, fui à janela verificar se o céu continuava lá, tal e qual como eu o havia visto da última vez. E estava. As estrelas e a lua não vão a lado nenhum, mas outras coisas que tomamos por garantidas poderão desaparecer se não nos lembrarmos de olhar por elas.

Hoje olhei para o céu ... e lembrei-me de como sabe bem olhar as estrelas.

segunda-feira, 13 de junho de 2005

O Voo da Águia

Fez precisamente ontem 3 semanas que no Estádio da Luz se fez a festa do título nacional de futebol, que escapava ao Benfica há já 11 anos.

"Quando chego ao estádio este está ainda quase vazio. Aqui e ali grupos de jovens e famílias procuram o melhor lugar para assistir ao espectáculo que se avizinha. No centro do relvado, em cima do palco improvisado os animadores prometem muita música e entretenimento noite dentro até à chegada da equipa. Nos ecrãs gigantes, vêem-se imagens da equipa a desfilar no Porto perante muitos milhares de adeptos.

Para gládio dos presentes, surge em campo a águia Vitória no braço do seu treinador, que se presta a dá-la a conhecer de perto ao público do 1º anel. Eu estava lá. Vejo-a de perto e toco-lhe, a ao meu lado um menino ao colo do pai faz o mesmo. Ainda me lembro do brilho nos seus olhos. Sem palavras.

Entre conversas com outros adeptos, o desfilar das bandas e os incentivos de apoio vindos do relvado, o tempo passa, e sem que ninguém se tivesse apercebido o 1º anel está cheio e começam a ver-se pessoas a subir, como formigas, para o 4º anel. Os animadores pedem então às bancadas gritos de apoio e procuram ensaiar a onda nas bancadas. Chega então Eusébio, o “Rei”, para se dirigir aos adeptos. Cada palavra é saboreada em delírio nas bancadas, e a saudação dos adeptos chega a ser arrepiante. O “Rei” sai comovido, esmagado pela emoção que vem das bancadas, e daí em diante não mais interessa realmente quem está no palco. A loucura cresce, embalada pela chegada de mais e mais pessoas que enchem agora também todo o 4º anel.

E então ouve-se a frase mais esperada: “Os nossos heróis chegaram à Luz”. O ambiente torna-se ensurdecedor. De seguida faz-se silêncio e uma criança grita “Vitória, vem!” O fumo dos foguetes impede o habitual voo, mas à segunda tentativa a águia Vitória desce desde lá de cima, em círculos lentos, até aterrar no relvado. Dentro e fora do relvado chora-se de emoção. Nas bancadas gera-se uma onda espontânea que parece replicar o voo da águia e 55 mil vozes explodem de súbito, em delírio absoluto. Senti-me pequeno. Nunca me havia sentido tão pequeno em toda a minha vida.

Um por um, os jogadores e equipa técnica entram em campo e todos gritam, pulam e deliram em palco. Depois vem o extravasar das emoções, com a quebra das barreiras de segurança e a invasão de campo."

A festa na Luz acabou ali mas por todo o país e um pouco por todo o mundo o título foi celebrado de forma efusiva por uma massa humana que esperou 11 anos ... pelo voo da águia.

Hoje Estamos Todos Mais Pobres

No espaço de alguns dias Portugal perdeu três das suas mais proeminentes figuras do século 20. Falo de Eugénio de Andrade, Vasco Gonçalves e Álvaro Cunhal.

De Eugénio de Andrade fica a lembrança de um homem simples, um homem do povo, um dos maiores poetas portuguesas da actualidade. E o povo não esquece.

Vasco Gonçalves fica na história como um dos militares de Abril que abriu caminho ao fim da ditadura Marcelista. Logo a seguir, como politico, foi primeiro-ministro durante os conturbados meses que se seguiram à revolução e foi responsável por muitos dos direitos conquistados pelos trabalhadores. E o povo não esquece.

Por fim, Álvaro Cunhal, figura impar da nossa história recente, voz maior do comunismo em Portugal e figura de popa da resistência ao regime fascista. Prisioneiro político por várias vezes e durante largos anos, foi protagonista de uma fuga espectacular da prisão de Peniche em 1960 e esteve exilado até 1974. Num mundo em mudança com o fim da URSS e a queda do muro de Berlim, permaneceu fiel às suas convicções até ao fim, granjeando respeito acima de qualquer ideal partidário. E o povo não esquece.

Hoje estamos todos mais pobres.

As Marchas Populares

Tudo começa bem no topo da avenida, junto à rotunda do Marquês de Pombal. No centro da avenida, homens e mulheres fazem os últimos preparativos para a maratona que se aproxima, e mais à frente outros já desfilam: começou. Contornando as pessoas que se amontoam junto às barreiras, começo também eu a descer a avenida. De ambos os lados, filas de holofotes iluminam os participantes à medida que dançam e cantam avenida abaixo, vestidos a rigor para a ocasião e carregando estandartes e arcos pintados de mil cores.

Deste lado das barreiras um mar de gente avança distraída por entre vendedores ambulantes que vendem um pouco de tudo: garrafas de água e latas de cerveja dentro de baldes cheios de gelo, pacotes de pipocas, vasos com manjericos, sardinhas na brasa, balões de mil cores e formatos, ramos de flores e uma série de objectos luminosos de utilidade duvidosa. Por trás das bancadas, sentado na relva, um rapaz toca acordeão e a seu lado um pequeno chihuahua segura um cestinho na boca na esperança de receber algumas moedas: uma chamada à realidade no meio da alegria e da animação. Mais à frente, na principal área de actuação, onde todo o aparato das câmaras de televisão se concentra, aglomera-se uma grande multidão nas bancadas e fora delas. Em busca de um lugar mais vantajoso, muitos tentam a sorte trepando ... o que podem. Árvores, fontes, estátuas, caixotes do lixo, cabines telefónicas, bancos de jardim, outras pessoas ... tudo serve para se conseguir uma vista melhor.

Logo à frente, nos Restauradores, chega ao fim o percurso das marchas, mas um grupo de Cabo-Verdianos canta e dança, juntando um pouco do ritmo e espírito africano à festa. Começa então o regresso avenida acima, de volta ao princípio de tudo. Em sentido contrário, um grupo de foliões cantando em apoio à sua marcha desce a avenida acompanhando a progressão da mesma, e logo atrás vislumbram-se os noivos: 15 casais que escolheram casar neste dia sob a égide de Santo António. Atrás deles, as marchas continuam a descer a avenida noite dentro, para alegria de novos e velhos, que voltam ano após ano para assistir a esta festa e perpetuar a tradição Lisboeta.

sábado, 11 de junho de 2005

À Luz da Fogueira

O meu pai nasceu numa pequena terrinha perdida entre montes e vales, rodeada por pinhal até onde a vista alcança. Hoje em dia poucos elementos da família resistem por lá, a maioria partiu em busca de um futuro melhor noutras paragens. Muitos rumaram a Lisboa, tal como o meu pai depois de voltar da guerra, outros escolheram outros destinos. Mas quando eu era pequeno não era assim. Todos os anos eu e os meus pais íamos lá passar férias a casa da minha avó Maria, que teve e criou 8 filhos e filhas, e aproveitávamos para visitar tios, primos e sobrinhos.

Por vezes estas viagens ocorriam no pico do Inverno, e esses dias contam-se entre os mais frios de que tenho memória. O único sítio onde era possível encontrar algum conforto era a cozinha, onde ardia quase ininterruptamente uma lareira. Acontecia por vezes juntarem-se lá em casa outros familiares para jantar, e nessas noites aquela lareira tornava-se o coração da casa. Sentavam-se em seu redor em pequenos bancos de madeira, aconchegando-se como podiam contra as vagas de frio cortante que parecia entrar por todas as fendas e frinchas do chão e janelas, e falavam. Iluminados apenas pelo clarão ígneo do fogo, falavam sobre a vida, contavam histórias, lembravam o passado, discutiam o futuro. Murmuravam, numa ladainha contínua de sons que invocavam memórias, pensamentos e imagens, embalados pelo som das chamas e pelo crepitar da lenha. Assim me perdia eu do mundo, hipnotizado pela dança das chamas e das faúlhas, totalmente imerso num transe em que os sentidos pareciam acompanhar as batidas do coração, aguçando-se e esbatendo-se ao sabor das sensações.

Muito mudou desde então. De tanto que em tempos foi, restam apenas memórias difusas de criança, esquecidas e esbatidas pelo tempo. Mas no escuro, iluminado pelo clarão das chamas bruxuleantes e envolvido no seu rugido, os meus sentidos esbatem-se e as memórias vem ao de cima, e eu estou de novo lá, e à minha volta murmuram-se e sussurram-se palavras à luz da fogueira …

Inauguração d' À Luz da Fogueira

Nunca antes havia pensado em mim mesmo como alguém que pudesse vir a criar e manter um blog. Nunca fiz nada deste género, nem tenho conhecimentos de informática além do comum utilizador. Mas gosto de pensar e discutir problemas, assim como gosto de imaginar histórias e de escrevê-las. E gosto de ver as reacções dos outros às minhas ideias.

Escrevo agora para vós tanto como escrevo para mim, porque sou o meu primeiro e mais feroz crítico, e apenas espero que não dêem o vosso tempo por perdido lendo estas páginas.

Bem-vindos À Luz da Fogueira.