À Luz da Fogueira
O meu pai nasceu numa pequena terrinha perdida entre montes e vales, rodeada por pinhal até onde a vista alcança. Hoje em dia poucos elementos da família resistem por lá, a maioria partiu em busca de um futuro melhor noutras paragens. Muitos rumaram a Lisboa, tal como o meu pai depois de voltar da guerra, outros escolheram outros destinos. Mas quando eu era pequeno não era assim. Todos os anos eu e os meus pais íamos lá passar férias a casa da minha avó Maria, que teve e criou 8 filhos e filhas, e aproveitávamos para visitar tios, primos e sobrinhos.
Por vezes estas viagens ocorriam no pico do Inverno, e esses dias contam-se entre os mais frios de que tenho memória. O único sítio onde era possível encontrar algum conforto era a cozinha, onde ardia quase ininterruptamente uma lareira. Acontecia por vezes juntarem-se lá em casa outros familiares para jantar, e nessas noites aquela lareira tornava-se o coração da casa. Sentavam-se em seu redor em pequenos bancos de madeira, aconchegando-se como podiam contra as vagas de frio cortante que parecia entrar por todas as fendas e frinchas do chão e janelas, e falavam. Iluminados apenas pelo clarão ígneo do fogo, falavam sobre a vida, contavam histórias, lembravam o passado, discutiam o futuro. Murmuravam, numa ladainha contínua de sons que invocavam memórias, pensamentos e imagens, embalados pelo som das chamas e pelo crepitar da lenha. Assim me perdia eu do mundo, hipnotizado pela dança das chamas e das faúlhas, totalmente imerso num transe em que os sentidos pareciam acompanhar as batidas do coração, aguçando-se e esbatendo-se ao sabor das sensações.
Muito mudou desde então. De tanto que em tempos foi, restam apenas memórias difusas de criança, esquecidas e esbatidas pelo tempo. Mas no escuro, iluminado pelo clarão das chamas bruxuleantes e envolvido no seu rugido, os meus sentidos esbatem-se e as memórias vem ao de cima, e eu estou de novo lá, e à minha volta murmuram-se e sussurram-se palavras à luz da fogueira …


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