quarta-feira, 31 de maio de 2006

O Outro Lado do Abismo - Capítulo 1, Parte 2

Sinais de Vida - p2

Mas ao fim de algum tempo, se é que o termo faz algum sentido, e depois de um incontável desfile de imagens, algo mudou. Tudo começou com uma já familiar sensação de vertigem que por vezes parecia envolver o mundo num véu de bruma, silenciando o infindável turbilhão de imagens e transmitindo uma sensação de calma e serenidade que era recebida e saboreada de uma maneira só possível àqueles que vivem há já demasiado tempo mergulhados no caos e na loucura. Mas desta vez as imagens não se esbateram. Pelo contrário, tornaram-se mais nítidas do que nunca, e pela primeira vez Pedro teve verdadeiramente consciência de si mesmo. Um breve momento de lucidez, mas que bastou para compreender enfim que as imagens eram na realidade memórias, as suas próprias memórias.

E se na verdade possuía, como parecia, memórias de uma outra realidade que não esta em que se encontrava, então ele próprio deveria pertencer a essa outra realidade, e não a este mundo vazio e negro ao qual parecia ter sido condenado. Tudo não deveria passar de um sonho … não, de um pesadelo, um longo e negro pesadelo do qual não tardaria a acordar. Acto contínuo, o turbilhão de imagens desvaneceu-se e o mundo mergulhou de novo na escuridão.

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quarta-feira, 24 de maio de 2006

O Outro Lado do Abismo - Capítulo 1, Parte 1

Sinais de Vida - p1

No início, tudo era escuridão … negra, vazia e totalmente desprovida de sentidos e razão. Começaram então a surgir, com uma frequência cada vez maior, pequenos flashes de luz que rapidamente ganharam consistência e nitidez revelando tratar-se na realidade de pequenas imagens. E se inicialmente não passariam de simples fotogramas estáticos em tons de cinzento, depressa ganhariam movimento, som, detalhe e cor, enchendo o vazio com uma louca sequência de imagens sem nexo.


Não tardou até que à corrente infindável de imagens e sensações se juntassem outras, mais subtis mas ao mesmo tempo mais vívidas e persistentes, que pareciam surgir inesperadamente e misturar-se com as restantes, enredando-as e alterando-as. Era como se proviessem de origens completamente diferentes e lutassem entre si pelo protagonismo, conseguindo apenas anular-se e deturpar-se mutuamente, de maneira que qualquer sentido que pudesse existir em cada uma era irremediavelmente perdido, restando apenas uma amálgama de elementos independentes, caótica e indecifrável.
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segunda-feira, 15 de maio de 2006

O Outro Lado do Abismo - Prólogo

Prólogo

Pedro nunca foi muito aberto ao mundo em seu redor. Desde muito jovem que se revelava mais à vontade precisamente quando estava sozinho e nunca demonstrou grande interesse na sociedade à sua volta. Nunca formou laços emocionais ou sentimentais e na verdade as pessoas em seu redor pareciam ter tanta vontade em evitá-lo quanto ele em evitá-las. E assim cresceu em corpo e mente mas não em espírito, sempre manietado naquilo que o torna verdadeiramente humano, a convivência com os outros.

Os anos passaram e enfim a necessidade que todo o ser humano tem de se relacionar e ligar ao mundo à sua volta fez-se sentir no seu espírito. Desejava ardentemente as experiências que vêm com a amizade e com o amor, mas não sabia como se aproximar nem como se comportar juntos dos outros. Na adolescência, uma fase da vida em que a afirmação pessoal é tão importante, ele não conseguiu impor-se e viu-se novamente sozinho e desligado do mundo que o rodeava, desta vez não por vontade própria. E percebeu enfim o significado da palavra solidão.

Com a entrada no mundo universitário abriu-se diante dele um novo mundo de possibilidades, uma oportunidade para começar do zero. E de tudo quanto procurava encontrar, aquilo que mais desejava era o amor; encontrou-o numa rapariga chamada Suzana que se tornou sua na melhor amiga, companheira, confidente ... e amante? Não; por muito que ele a amasse as suas limitações relacionais falaram mais alto e escolheu colocá-la num pedestal e venerá-la ao invés de amá-la como ela queria e merecia. E Suzana, como livre espírito que era, foi vencida pela vontade de viver novas aventuras e trocou-o por outro. Pedro sentiu no seu coração o que era a traição e o vazio que fica dentro de nós e pela primeira vez chorou por alguém.

Foi assim que aquele que Pedro considerava ser o seu único elo de ligação ao mundo foi quebrado, e não tardou muito para que a sua reputação de reservado e pouco sociável se degradar rapidamente para solitário e anti-social. Na verdade, longe de se isolar no seu mundo, passava cada vez mais tempo na companhia de outros; outros que não eram os seus colegas de faculdade, nem os seus poucos amigos, nem a sua família, nem ninguém que realmente se importasse com ele. Pedro caminhava em direcção ao abismo e dificilmente teria acreditado se lho tivessem dito; mas ninguém lho disse e ele também não se apercebeu até ser já tarde demais …

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